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                    Banzo me arrasa me quebra me mata

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                                                                   Giovana Mastromauro e Natasha Marzliak

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                                      Projeto contemplado pelo fundo de investimento cultural de Campinas - Secretaria de Cultura FICC

Nenhum ponteiro girando em torno 

de si mesmo

sabe dos meus momentos

do desespero que me invade e arde 

para fora

desse círculo minúsculo

chamado cabeça

ou cérebro ou mundo ou relógio

 

minhas dores não estão medidas a cada pulo de segundos. 

Texto Curatorial por Marcelo Beso

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Imergindo em Banzo | me arrasa me quebra me mata 

“Sugerir, eis o sonho” S. Mallarmé 

 

A videoinstalação “Banzo | me arrasa me quebra me mata” (título inspirado no sentimento sofrido dos escravos em forma de saudade, ausência, angústia) entrecruza videoarte e documentário enquanto investigação dos ânimos e obsessões ligados aos universos das paixões. Se as “histórias de amor” podem ser definidas através de suas surpresas contraditórias – ganhos e perdas, alegrias e tristezas, chegadas e partidas – as experiências particulares permitem visualizar o resultado destas ambivalências, principalmente quando são vividas no limite do suportável. É isso que “Banzo” procura reproduzir através da fusão de duas formas: o depoimento pessoal de relações experienciadas em seus extremos (vida e morte) e a tradução artística dos sentimentos envolvidos nesta existência ampliada (para o bem ou para o mal) através de imagens ficcionais. Na simultaneidade de três vídeos exibidos em três paredes de um mesmo local, o espectador poderá atravessar este universo amoroso/doloroso/perigoso em sua base mais radical, quando presente-passado-futuro se tornam suspensos num único corpo, e realidade e ficção deixam de ser conceitos de apoio para se tornar sentidos descontrolados – por isso nada seguros, nada lineares, nada coerentes, nada simples: só surpresas pelo caminho.Os impactos psíquicos das situações pessoais são trabalhados na videoinstalação de forma a se nutrirem entre si, permitindo que a natureza da exploração estética amplie os recursos de imersão multissensorial devolvida ao público. Ao compor cenários e linguagens híbridas – no que concerne aos entre-fluxos do cinema com as artes visuais – “Banzo | me arrasa me quebra me mata” impulsiona espacialmente a modificação do olhar, construindo ambientes plurais cinematográficos em que a dilatação do tempo, agora, funda uma não-linearidade (e não-narração) na própria participação do outro na obra. Oferecendo a possibilidade de mergulho no viés do “outro”, do que é “externo” a si mesmo, fica sugerido o absoluto sentimento de “perder-se em outro” característico da experiência amorosa em seu estado mais arrebatador. Isso porque existe uma diferença essencial aqui, que está em considerar a alteridade inevitável do ser humano contemporâneo como sugestão para aceitarmos que os olhares, os rostos, as vozes de cada relação – gozos e lágrimas, os abismos da paixão – não estão definidos por um cenário trágico pré-estabelecido pelo desencontro de cada um, mas pelo definitivo nascer de si em outro. Esta forma de liberdade (descobrir-se fora de si mesmo) está traduzida no próprio ambiente da videoinstalação, projetado numa sala fechada, sim, mas com janelas convidativas para a abertura dos sentidos, emoções e comoções mais fortes e vulneráveis.Esta poética imersiva particular, antes de qualquer coisa, é responsável pela ausência de narrativa linear e constante deslocamento espaço-temporal pela submersão na própria multiprojeção. É preciso considerar esta realidade dissolvida da videoinstalação na mesma proporção que foi vivida por cada um dos protagonistas destas histórias. Longe de tentar interpretar a realidade do mundo e dar ao espectador a pretensa verdade ou totalidade documentada em começo-meio-fim (como aconteceria em um documentário tradicional, ou mesmo no cinema em geral), este trabalho oferece ao público um campo de possibilidades sensoriais e sensitivas abertas a cada um por meio de imagens plurais e desconectadas instaladas no espaço expositivo.Inibindo os limites entre o individual e o coletivo, é possível começar a visualizar a pluralidade de experiências que se espelham e se estruturam na própria vida do público-participante – na sua realidade, mas também nos seus sonhos, suas esperanças, suas dúvidas e, ao final, tudo aquilo que ainda não entendemos, porque ainda não sentimos plenamente. A tentativa é dar abertura de percepções frente aos possíveis horizontes a serem habitados neste mundo de limites impostos (e muitas vezes disfarçados) à surpresa, ao desconhecido, ao incompleto, que não seja meramente novo ao se recusar a ser repetido. Novo sim, porém como no entender de Gertrude Stein, por exemplo: “Embora isto seja antigo isto é novo e embora isto seja novo isto é antigo, mas agora nos encontramos em nosso próprio caminho que é um caminho completamente diferente.” Pois existe algo mais antigo em nossa história do que falar de amor?Os criadores desta videoinstalação parecem não acreditar em limites ou fronteiras, por isso nos impulsionam a descobrir o “algo a mais” do velho amor, a velha dor do desespero da felicidade de amar, a paixão que dá mais vida à velha vida de um corpo ainda jovem, corpos que carregam mais de um coração, mais de um olhar, mais de uma voz, carregam a liberdade do vir-a-ser, de não saber o que vai acontecer, mas querer estar lá inteiro, completamente fora de si e às vezes à vontade com isso, às vezes absurdo demais e por isso bem mais desejoso de tudo por tudo o que aconteceu e continua. É assim que se entra na arte de “Banzo”

 

Marcelo Beso

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